A Europa e a discussão do futuro da Cultura



Paris acolheu, no passado mês de Abril, no Fórum de Chaillot, iniciativa do governo francês, centenas de decisores políticos, de autores, artistas, produtores e promotores de cultura que reflectiram de forma aberta e participada sobre o futuro da cultura e o futuro da Europa, neste tempo de múltiplas incertezas em que muitos atribuem à vida cultural um papel relevante, mas depois tardam a tomar as medidas adequadas para acentuar e fazer prevalecer essa relevância.

Comissários europeus, ministros, eurodeputados, criadores, artistas e organizadores da Europa, mas também dos Estados Unidos, sublinharam o facto de a vida cultural europeia constituir um poderoso factor de atracção e de fortalecimento da identidade de um continente com milhares de anos de vida organizada e com as mais diversificadas experiências de exercício do poder.

Representando 4,5 % do PIB europeu e mais de oito milhões de postos de trabalho, a cultura tem, nesta Europa em fase de reflexão e mudança, um papel essencial para a inovação e criação em que devem assentar o desenvolvimento de uma economia global. Muitas foram as vozes que acentuaram a urgência de se criar uma “política industrial” em que assentem, de forma consistente e visível, as indústrias cultural e criativa. Já foram dados passos importantes nesse sentido, mas falta acrescentar o sentido de prioridade capaz de facultar à cultura o lugar que de facto lhe pertence e que não pode ser confundido com adereços eleitoralistas ou com floreados de circunstância. O que está em jogo é o futuro e não a retórica que o anuncia.

Estive em Chaillot nesses dois dias especiais e reconheci de imediato a importância do evento, tendo apenas achado que se falou muito pouco do contributo que a cultura pode dar para a manutenção de uma paz duradoura, numa Europa que viu eclodir duas guerras mundiais, causadoras de quase 90 milhões de mortos.

Por tudo isto, impõe-se uma nova estratégia que integre os vários segmentos das indústrias que a cultura envolve num plano global de intervenção e combate ao desemprego, de regulamentação do espaço digital, de apoio ao intercâmbio efectivo entre países e culturas, de defesa intransigente da diversidade cultural, de resistência ao racismo e a outras práticas discriminatórias e de apoio à plena integração da cultura e das artes numa estratégia criativa que se integre de forma activa no plano cuja concretização está prevista até 2020.

Os participantes neste Fórum de Chaillot, que animou Paris no início de Abril passado e que contou com a participação de vários portugueses, apontaram como objectivos estratégicos os seguintes pontos, etapas fundamentais para uma reflexão nacional e transnacional sobre o assunto, sobretudo depois de se saber qual vai ser a composição do próximo Parlamento Europeu: encorajar o desenvolvimento da oferta digital através de uma política de taxas baseada no princípio da neutralidade tecnológica; acentuar o papel central do direito de autor na criação cultural; promover os conteúdos culturais no contexto digital; mobilizar novos recursos para o financiamento da actividade criadora; criar condições para se garantir uma abundante oferta culturalbem como a existência de uma efectiva diversidade de serviços; fazer do acesso à cultura, às artes e à educação cultural um objectivo partilhado; reconhecer e promover o lugar da herança e da diversidade linguística como grandes conquistas europeias; valorizar a acção cultural em todas as acções externas da Comissão Europeia, na linha do que foi definido na Convenção da UNESCO de 2005; afirmar a força e o poder competitivo da vida cultural designadamente junto dos grandes operadores digitais.


Se a acção política e cultural de uma Europa organizada levar na devida conta estas recomendações estratégicas, em cuja origem esteve o Ministério da Cultura e da Comunicação de França, alguma coisa poderá mudar na vida dos Estados que aderiram à União e que tentam, no terreno, ultrapassar as diferenças demográficas, linguísticas, políticas e comunicacionais. A França foi o berço do direito de autor e reivindicou, em Chaillot, essa primazia e essa autoridade fundacional, seguindo, de resto, o tipo de prática das Cimeiras de Autores organizadas pela CISAC (Confederação Internacional das Sociedades de Autores e Compositores) em Bruxelas e em Washington. Se este desígnio for cumprido, a Europa não pactuará com a lógica de casino que os especuladores e restantes caçadores de lucro fácil lhe tentam impor, ignorando o seu passado e o modo com foi construído sobre uma imensa e rica diversidade cultural.