TECTO DA CAPELA SISTINA, Miguel Ângelo, 1508-1512 | M5



Sabemos como os artistas florentinos do Quattrocento tinham dominado a realidade graças à precisão do seu desenho, convertido em instrumento de conhecimento e apreensão racional do Mundo. Tanto que Cennino Cennini entendia “o desenho como mãe de todas as artes” (Tratado da Pintura, 1398), e por onde tudo devia começar.


Mas, para Miguel Ângelo, o desenho é entendido num sentido platónico e é, antes do mais, o “traço”, a forma mais imaterial da Ideia. Pois, o desenho corresponde à fase prévia da criação, puramente espiritual, à manifestação da Ideia em linhas e traços antes da obra se transformar em forma material. Quanto a esta, Miguel Ângelo elegeu a escultura, pois era a única que permitia retirar o supérfluo de um bloco informe de matéria, fazendo aparecer a “forma ideal” e conforme à perfeição das coisas naturais.
Talvez, por isso, as figuras que pintou no tecto da Capela Sistina surjam com a tensão e a vibração plástica próprias da escultura. Num vasto programa iconográfico integrando centenas de figuras distribuídas com um ritmo alucinante numa moldura arquitectónica, Miguel Ângelo abordou a história da humanidade, segundo o Genesis, desde a Criação até ao Dilúvio Universal.


Obra monumental e de superior riqueza plástica e iconográfica, atinge na cena A Criação de Adão, o apogeu. Traduzindo o pensamento do artista-criador, a fusão do mito com a fé que esta imagem encerra, reflecte também a reconciliação do homem com Deus, no final do humanismo.
Anunciando a saturação do programa artístico renascentista, a arte de Miguel Ângelo revela-nos um mundo em mutação, já distante da crença incondicional no homem que motivou os humanistas e preconizando o despontar de uma nova época.