Prémio EDP Novos Artistas 2011 | Priscila Fernandes: Em busca do Aleph

Priscila Fernandes
 "Sou como a menina do Product of Play", afirma Priscila Fernandes, 29, Prémio EDP Novos Artistas 2011, referindo-se a um dos dois vídeos apresentados no concurso. É que tal como essa criança está nervosa, à espera de atuar (prepara-se para cantar a 'Flauta Mágica', de Mozart), também ela, enquanto 'nova artista', se sente pressionada a dar o seu melhor. Uma "pressão" fomentada não só pela lógica dos concursos de arte - e, só este ano, venceu três: além do EDP, o Basic Prix de Rome, o Children's Jury Prix de Rome e o Fonds BKVB Startstipendium -, mas também fruto da sua educação. "Os meus pais sempre me disseram 'Tira vários cursos, tem vários cursos na manga porque um dia podes precisar'... Sempre me incutiram esta ideia do ter de estar preparada, pronta a fazer", confessa a artista, natural de Coimbra.
Mas longe da mera auto-análise, nos seus trabalhos, Priscila Fernandes parte da procura de compreensão de si "enquanto indivíduo" para observar, questionar e tentar perceber "a organização e o funcionamento da sociedade". Em Product of Play, ocupa-se da "noção de construção do indivíduo através de sistemas de disciplina e controle". Enquanto a menina aguarda o momento da sua performance, um menino constrói estruturas feitas de cubos, sem qualquer criatividade, limitando-se a obedecer a regras, o que pode ser visto como dois lados de uma mesma moeda: o indivíduo ativo e o passivo da atual "sociedade de produção". Já no vídeo In Search of the Self (na imagem), de 2009, a artista apropria-se de um registo característico da passagem de conhecimento (como uma palestra ou o uso de diagramas) para desenvolver uma teoria sobre o indivíduo que reside numa "colagem incongruente de diferentes pensamentos e conceções". Daí resulta, diz, uma "ilusão de autenticidade", onde o conteúdo ganha credibilidade pela forma como é transmitido.
Embora não negue a possibilidade de uma leitura política da sua obra, Priscila Fernandes está mais interessada na prática artística enquanto forma de expandir conhecimento e não como um veículo para expressar opiniões. Até porque, normalmente, tem-nas diferentes perante um mesmo assunto. "Não se trata de afirmar isto ou aquilo sobre os métodos de controlo e organização da sociedade. Move-me a curiosidade e o fascínio por sistemas, e o desejo de perceber por que foram criados e como nos afetam", remata. O seu processo criativo faz-se, assim, de ímpetos conceptuais, sempre com o conto O Aleph, de Jorge Luís Borges, no horizonte: "Conta a história que quem olhar para o Aleph consegue ver tudo o que existe no Universo, de todos os ângulos, ao mesmo tempo e sem distorção. Acho este conceito filosófico de uma unidade do infinito muito fascinante, talvez porque me veja nessa busca do Aleph, por exemplo, quando revejo os métodos que temos vindo a usar para representar o que nos rodeia".
Curiosa e persistente, assim é Priscila Fernandes, que, agora, se junta ao rol dos Prémio EDP Novos Artistas, ao lado de nomes como Joana Vasconcelos, Leonor Antunes ou Gabriel Abrantes. Nunca se questionou se era Artes que queria seguir, foi "natural". Aos 14, entrou para a Escola Secundária Soares dos Reis, especializada em ensino artístico, seguindo depois Escultura na Faculdade de Belas-Artes do Porto, curso que não concluiu por ser "muito clássico". "Sentia-me cheia de energia para procurar uma linguagem, e tentava-o no ateliê que montei na cave da minha casa, já que na faculdade dedicávamo-nos às cópias em barro de esculturas ou figura humana. Quando chegou a vez de imitar o Esfolado, de Jean-Antoine Houdon (que representa o auge do domínio da técnica), organizei o meu portfólio, fiz as malas e pus-me a caminho da República da Irlanda", conta. E por lá fora ficou: licenciou-se em Pintura no National College of Art and Design, em Dublin, concluiu o mestrado em Belas-Artes no Piet Zwart Institute, Willem de Kooning Academy da Universidade de Roterdão e está, atualmente, na residência artística IASPSIS, em Estocolmo. Por isso, viu no concurso EDP uma "porta" para voltar a casa e mostrar o seu trabalho. Já entrou, e foi em grande.